Pé na Terra

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Os militantes esperam nas coxias

Syed Saleem Shahzad

1/2/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Syed Saleem Shahzad é editor-chefe da sucursal de Asia Times Online no Paquistão

ISLAMABAD. Não há força de oposição no Egito, ainda que se considere a Fraternidade Muçulmana, suficientemente organizada, nesse ponto, para assumir o poder no caso de as manifestações públicas em marcha nas principais cidades do Egito levar ao fim do governo de Hosni Mubarak e à queda do presidente. 

Até agora, os protestos não apresentaram demandas estruturadas, além de clamarem pela queda de Mubarak, 83, há 30 anos no poder. 

Um dos coringas do drama que se desenrola no Egito – onde um milhão de manifestantes tomam as ruas do Cairo hoje – são os cerca de 15 mil ex-militantes que foram libertados pelas cortes nos últimos dez anos, mas permanecem nas listas de observação dos serviços de segurança e agências de inteligência egípcios. 

“Mártires são necessários para eventos, e eventos são necessários para revoluções. E sem revoluções não há avanço” disse hoje o destacado analista político paquistanês Farrukh Saleem no The News International. “Há revolução quando o descontentamento público leva ao rompimento da ordem estabelecida. As revoluções são espontâneas, com raízes em áreas política e economicamente desassistidas. As revoluções começam fora dos centros de poder, em áreas nas quais o mando do Estado seja fraco; depois, as revoluções movem-se na direção do centro do poder.” 

Os milhares de militantes foram cercados e caçados entre o final dos anos 1990s e o início de 2001 por Omar Suleiman, ex-chefe da inteligência, que essa semana foi nomeado vice-presidente. Se o aparelho de segurança do governo Mubarak entrar em colapso, aqueles militantes bem podem ter o que dizer sobre a direção para a qual o país deve andar. 

A maioria dos militantes pertencem ao grupo al-Gamaa al-Islamiyya e a inúmeras organizações clandestinas que brotaram durante e depois da Jihad afegã contra a União Soviética. Promoveram muita agitação no Egito ao longo dos anos 1980s e 1990s, quando sequestros e ataques a turistas e contra as forças de segurança eram rotina. 

A maioria dos grupos foi brutalmente dizimada pelos serviços de segurança; centenas de militantes foram executados, milhares metidos em prisões e vários milhares foram libertados depois de cenas de arrependimento e confissões públicas, obrigados, mesmo assim a apresentar-se regularmente às autoridades policiais para controle. 

Esses militantes, com possivelmente centenas de outros que escaparam das prisões nos últimos dias, estão agora misturados à multidão pelas praças, com as forças de segurança obrigadas a enfrentar o que muito provavelmente é o maior desafio que jamais enfrentaram no Egito. 

Durante o fim de semana, pela primeira vez desde o início das manifestações, semana passada, apareceu um primeiro sinal de atividade dos militantes islâmicos nas ruas, quando pelo menos quatro prisões foram atacadas e centenas de militantes islâmicos presos foram libertados. É amostra clara da vulnerabilidade de um aparato de segurança conhecido pela brutalidade. 

O exemplo do Paquistão

No início dos anos 2000s no Paquistão, o regime o ex-presidente general Pervez Musharraf atacou duramente organizações militantes como Sepah-e-Sahabah, Harkatul Mujahideen, Laskhar-e-Taiba e Jaish-e-Mohammad. E tomaram-se medidas estritas para evitar que os membros desses grupos se unissem a grupos ligados à al-Qaeda. 

Apesar disso, o início de atividade de guerrilha de baixa intensidade nas áreas tribais do país mobilizou imediatamente aqueles militantes, e não houve mecanismos das estratégias de contraterrorismo que os detivesse e, sim, eles logo apareceram aliados à al-Qaeda para lutar contra oestablishment. 

No Iêmen, o quadro é semelhante. As operações anti-al-Qaeda no início dos anos 2000s praticamente eliminaram a al-Qaeda no país. Mas imediatamente depois que alguns líderes militantes iemenitas escaparam da cadeia, começou a haver atividade de guerrilha de baixa intensidade nas áreas tribais – e essa ação despertou muitas células de militantes adormecidas em todo o Iêmen. 

O Egito tem longa história de militância política de resistência, por mais que tenha permanecido adormecida há muitos anos. 

Emergiram facções militantes imediatamente depois do assassinato de Hasan al-Banna, fundador da Fraternidade Muçulmana, em 1948. O golpe militar e a consequente chegada ao poder do general Gamal Abdel Nasser em 1956, auxiliado por militares ligados à Fraternidade Muçulmana, reunificou a Fraternidade por algum tempo, a qual então se havia dividido em pelo menos três facções. 

Depois, as diferenças que começaram a brotar entre Nasser e a Fraternidade levaram a longo período de repressão, que durou até meados dos anos 1960s, quando a Fraternidade desistiu oficialmente da militância armada e abraçou as vias democráticas. 

No início dos anos 1970s, a Fraternidade Muçulmana e grupos de militância islâmica pareciam relíquias de museu, mas voltaram à vida no final dos anos 1970s e, no início dos anos 1980s já estavam capacitados para, sob o comando de Ayman al-Zawahiri, planejar um golpe de Estado. O golpe falhou por vários motivos, mas os militantes conseguiram assassinar o presidente Anwar Sadat em 1981. 

Estudo atento da história da militância islâmica no Egito mostra que, embora tenha sido esmagada várias vezes, ela sempre renasce, mesmo que depois de muito tempo. 

Depois do assassinato de al-Banna, os movimentos militantes surgiram como reação ao crime. Do final dos anos 1950s até os 1960s, a militância assumiu traços de fundamentalismo extremamente ideológico e declarou que o Egito seria sociedade de hereges. Foi o início de uma rebelião, mas foi controlada até meados de 1970s, quando o reatamento de relações diplomáticas entre Egito e Israel deu novo alento aos militantes, ação que culminou com o assassinato de Sadat. 

A Jihad afegã nos anos 1980s deu nova dimensão à militância islâmica, que trabalhou por uma revolução islâmica no Egito. Mas no início dos anos 2000s, as autoridades outra vez retomaram o controle. 

Agora, aí estão os protestos de massa gigantes no Egito, e a militância pode renascer – dessa vez, com outra dimensão: nos palcos de guerra do Afeganistão e do Iraque, as guerrilhas são lideradas pelo campo egípcio controlado pela al-Qaeda, e o levante nas ruas do mundo árabe pode garantir popularidade sem precedentes ao radicalismo. (Ver “Al-Qaeda's unfinished work” [O trabalho não concluído da Al-Qaeda], 1/2/2011, Asia Times Online, em tradução).
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----- Original Message -----
From: Vila Vudu
 
 
O trabalho não terminado da Al-Qaeda
1/2/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Onlinehttp://www.atimes.com/atimes/Middle_East/GA05Ak03.html 



KARACHI. Antes do 11/9, a al-Qaeda era vista, nos círculos de inteligência, como grupo de mercenários, ou máfia, sem a organização sofisticada necessária para organizar grandes ataques como os que atingiram os EUA. Hoje, apesar do que já se sabe sobre as capacidades da al-Qaeda, ainda paira denso mistério sobre sua verdadeira natureza e intenções.

Investigações intensivas em que esse jornal trabalhou durante vários meses, com discussões que incluíram oficiais da inteligência e fontes direta e indiretamente ligadas à al-Qaeda, mostram que nem Iraque, nem Afeganistão, nem Paquistão, nem qualquer outro país do mundo, só os EUA, cultivam tal obsessão monomaníaca em relação à al-Qaeda. O que só se explica se se conhecem os grandes planos da al-Qaeda.

Entra em cena Osama bin Laden
Com quase 1,90m de altura, rico e tratado como membro da família real, Osama bin Laden passou a ser considerado “jovem rebelde” na Arábia Saudita onde nasceu, quando se manifestou contra o rei e o reino, por terem permitido que exércitos ocidentais usassem o território saudita depois da 1ª Guerra do Golfo. Sua família – de alto prestígio e influente no mundo dos negócios – recebeu instruções para convencê-lo a comparecer pessoalmente ante o rei Fahd e suplicar o perdão real. Importantes membros da família real, entre os quais os príncipes Turki e Abdullah, esforçaram-se muito para remendar a situação, sem sucesso.

Foi o começo das muitas interpretações erradas sobre bin Laden e seu grupo. Começou a aparecer como dissidente saudita nos relatórios da inteligência dos EUA, que combatera bravamente no Afeganistão contra os soviéticos nos 1980s e se convertera depois em problema político para a Arábia Saudita.

Os ataques da al-Qaeda contra embaixadas dos EUA na África em 1998 acionaram as percepções dos EUA, que rapidamente concluíram que surgira uma nova aliança do terror no mundo, de olhos postos nos interesses dos EUA. O 11/9 confirmou aquelas piores suspeitas, de forma absolutamente contundente.

Mesmo assim, os políticos nos EUA sabiam praticamente nada sobre as ideias da al-Qaeda, apesar dos milhões de dólares e incontáveis horas de trabalho consumidos e das muitas redes de contraterrorismo que se construíram no mundo.

A evolução da Al-Qaeda
As sementes do que viria a ser o pensamento da al-Qaeda foram plantadas durante a Jihad de uma década contra a ocupação soviética do Afeganistão nos anos 1980s. Os árabes que jorravam no país para unir forças à resistência afegã dividiam-se em dois grandes grupos – ou se uniam aos iemenitas ou se uniam aos egípcios.

Os zelotes religiosos, que partiram para o Afeganistão inspirados pelos clérigos locais juntaram-se aos iemenitas. Treinamento duro, exercícios militares exaustivos, diários, mesmo em tempo de combate, cozinhar a própria comida, dormir imediatamente depois da isha (as últimas orações do dia). Quando a Jihad afegã se aproximava do fim, nos últimos anos da década dos 1980s, esses jihadistas voltaram aos países de origem. Os que não quiseram voltar para as famílias misturaram-se à população afegã ou viajaram para o Paquistão, onde muitos deles casaram e constituíram família. Nos círculos da al-Qaeda eram chamados dravesh – “despreocupados”.

No campo dos egípcios reuniram-se os mais extremamente motivados politicamente e ideologicamente. Embora muitos deles pertencessem à Fraternidade Muçulmana, estavam descontentes com a organização, que insistia na vida eleitoral e nos processos democráticos para mudar a sociedade. A Jihad afegã serviu como poderoso caldo de cultura e substância de coesão para homens desse tipo, muitos dos quais com formação acadêmica, médicos, engenheiros etc. Muitos, também, eram ex-homens do exército egípcio, associados ao movimento egípcio clandestino Jamaatul Jihad, do Dr. Ayman al-Zawahiri (hoje representante de bin Laden) . Esse grupo foi responsável pelo assassinato do presidente Anwar Sadat em 1981, depois de Sadat ter assinado um acordo de paz com Israel em Camp David. Num ponto, contudo, todos concordavam: a causa da desgraça dos árabes eram os EUA e seus governos-aliados, governos-fantoches no Oriente Médio.

Esse campo egípcio era comandado por bin Laden e Zawahiri. À noite, depois da isha, dedicavam-se a longas discussões de problemas contemporâneos no mundo árabe. Lição que os líderes nunca pararam de repetir e que muitos levaram de volta para casa, foi que todos deveriam investir recursos nos exércitos nacionais de seus países, e cultivar ideologicamente os mais inteligentes.

Em meados dos anos 1990s, quando o presidente do Afeganistão professor Burhanuddin Rabbani e seu poderoso ministro da Defesa Ahmed Shah Masoud, autorizaram bin Laden a mudar-se do Sudão para o Afeganistão, o campo egípcio deslocou muitos membros de sua comunidade estratégica em todo o mundo para o Afeganistão, para estruturar e dirigir maaskars (campos de treinamento) locais onde se ensinariam estratégias para a luta futura.

Quando os Talibã emergiram como força no Afeganistão, em meados dos anos 1990s, o campo egípcio já tinha delineadas suas estratégias, as principais das quais são:

– Criticar governos muçulmanos corruptos e despóticos e defini-los como alvos, o que destruirá a imagem deles aos olhos do homem comum – ponto de intersecção entre o Estado, os governantes e a nação. E
– Focar-se no papel dos EUA (que apoiam Israel e todos os tiranos em países do Oriente Médio) e esclarecer essas evidências, o mais possível, para todos.

Os ataques de 1998 às embaixadas dos EUA em Dar es Salaam, Tanzania, e Nairobi, Kenya, foram o começo – como agora se sabe – da ofensiva da al-Qaeda contra os interesses dos EUA. Como retaliação, os EUA lançaram mísseis cruzadores sobre Kandahar e Khost no Afeganistão. Imediatamente, a al-Qaeda constituiu uma força tarefa especial para planejar os ataques do 11/9.

O plano exigiu três anos, mas as discussões continuaram depois do 11/9, entre membros do campo egípcio – que então já eram membros comandantes da al-Qaeda – sobre planos mais amplos, para por de joelhos a única superpotência mundial.

Antes do dia 7/10/2001, quando os EUA invadiram o Afeganistão em retaliação contra os ataques de 11/9, praticamente todos os cérebros da al-Qaeda já haviam deixado o país. Suas missões envolviam vários alvos:
– Educar ideologicamente ‘caras novas’ das comunidades estratégicas, como nas forças armadas e nos círculos de inteligência.
– Arregimentar novos recrutas e criar novas células.
– Cada nova célula teria a tarefa de levantar seus próprios recursos e esboçar um plano. Mas só uma delas implementaria o plano. As demais serviriam como cortina de fumaça para “confundir” as agências de segurança.

Regimes muçulmanos, como alvos
Depois do 11/9, os governos muçulmanos passaram a trabalhar mais ativamente contra a al-Qaeda, e só no Paquistão foram presos mais de 400 militantes. O mesmo aconteceu no Egito, na Síria, na Jordânia, no Iêmen, em Tunis e na Arábia Saudita. Mas nem assim a al-Qaeda lançou qualquer discurso contra governos muçulmanos, até que houve sinais claros de que os EUA atacariam o Iraque.

A colaboração entre governos muçulmanos e os EUA, contra o Iraque, foi considerado momento perfeito para incendiar o ressentimento das massas contra seus respectivos governos que se ligassem em aliança estratégica com os EUA contra países muçulmanos.

Pouco depois de os EUA invadirem o Afeganistão, bin Laden distribuiu a primeira gravação na qual fala contra o governo saudita. “Vocês são fantoches dos EUA e seus pais foram fantoches da Grã-Bretanha. Vocês ajudam os EUA a atacar um país muçulmano e seus pais se rebelaram contra o califato para facilitar a expansão do império britânico no Oriente Médio”.

Nos poucos meses seguintes, Zawahiri falou pela primeira vez contra o presidente general Pervez Musharraf no Paquistão e disse ao povo que derrubasse do poder “o mais íntimo aliado muçulmano dos EUA, em todo o mundo”. Imediatamente depois, grupos pró-al-Qaeda foram estimulados promover ataques na Arábia Saudita e no Paquistão.

Nunca houve razão para a al-Qaeda envolver-se no Iraque. A estratégia na qual trabalharam por mais de uma década jamais sugeriu que enfrentariam o inimigo em campo de batalha. Seu único objetivo é manter ocupado o inimigo, enquanto organizam a resposta muçulmana, de tal modo que, quando outra vez atacarem os EUA, não estarão isolados, não será ataque isolado, e mudarão a história do mundo em maior escala do que no 11/9: o projeto da al-Qaeda é desaparecer nas sombras e deixar que as massas muçulmanas iradas decidam o curso do mundo

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